Desconstruindo arquétipos e falsos firmamentos
Eu não sei se hoje na escola ainda se ensina a palavra firmamento com referência ao céu noturno estrelado. O firmamento. Ainda é assim na escola? Essa palavra, firmamento, aquilo que está firme naquilo que sempre é o mesmo; sensação estranha. Quando mudamos de lugar e de hemisfério, quando lá, no outro hemisfério, olhamos para o céu e procuramos nosso céu. Cadê o Cruzeiro do Sul, nos perguntamos? Cadê as três marias? Nesse momento, cai a ficha: descobrimos ter passado a vida com o olhar fixo nos arquétipos alheios. Esquecendo-nos de criar os nossos firmamentos, viveremos errantes pela vida, sem metas, sem sentido.
O firmamento, quanta filosofia a seu respeito. Repito: no outro hemisfério não vemos mais o mesmo céu do nosso hemisfério. Aquilo que é firme não está mais lá, e isso dá uma sensação horrível. Não seria assim com os arquétipos nos quais nos baseamos? Nas expectativas que geramos, esquecendo-nos em ser o nosso próprio arquétipo?
Os gregos olhavam para o céu e identificavam as constelações e nelas as figuras que elas podiam imaginar como seus deuses, seus arquétipos, aquilo que era a meta deles, que era perene, aquilo que estava seguro, que entendiam como o poder, como algo acima de todos, mesmo que o poder estivesse topologicamente embaixo, mas, como arquétipos, como modelos, como algo acima, como o que é o superior, como algo absoluto, que não se corrói, que não se degrada, e que, por isso, nós podemos acreditar, pois vem de cima, vem do firmamento.
Acaso o nosso olhar estivesse em nós mesmos, sem a conformação da nossa vida a partir do firmamento dos outros, entenderíamos a maioria das nossas metáforas: 'você precisa ter os pés na terra', ou seja realista; 'não fique olhando para o céu, senão você tropeça', ou não seja Idealista.
Mas, no entanto, lá no céu, no firmamento, está aquilo que não muda, segundo os nossos olhos vidrados, de acordo com nossas condicionadas mentes, onde ribombam ordens antigas, vindas desde a escola, simplificados na metáfora de se procurar sempre os deuses no céu, pois o poder deles precisam ser mais altos.
Bem, nessa altura do texto você já compreendeu que deve abandonar os arquétipos dos outros, que precisa criar seu próprio arquétipo e também seu firmamento particular, sem se sujeitar às regras criadas por terceiros, que não promovem o seu, mas o futuro de sucesso apenas dos outros?
Ainda não entendeu isso? Está bem. Vou tentar explicar tudinho de novo.
Lá no firmamento estão os deuses? Estão os nossos arquétipos, os nossos paradigmas, nossos modelos? Cultuamos e os reverenciamos? Se sem, eles são superiores a todos nós, e por isso cada um deve se espelhar neles, e eles são absolutos. Nas cidades, os ricos devem moram nos lugares mais caros e bonitos; os famosos devem viver sob as luzes; os ilustrados devem receber todo destaque. E você,que segue os arquétipos alheios? O que deve ser reservado a você? Permanecer por toda a vida tentando ser como esses modelos, ou buscando meios de ser um arquétipo, até mesmo para outros?
Ou não? Prefere acreditar que obterá êxito apenas se sujeitando aos firmamentos dos outros, bradando que está perto do poder, acostumando-se apenas a servi-lo? Não, não faça isso. Desligue essa tomada imediatamente. Passe a crer que você pode ser um arquétipo,com seu firmamento. Retome sua confiança, desperte a ideia de levantar todos os dias, sem ser órfão do firmamento de quem nem sabe de sua existência. Elimine a concepção de que o céu dos outros vai iluminar você também, como se de lá do firmamento as estrelas alheias lhe dissessem: 'fiquem tranquilas, fiquem tranquilos, aí embaixo, que nós estamos aqui para iluminar suas vidas, como se fossemos suas Três Marias e seu Cruzeiro do Sul'.
Se você desenvolver e assumir a ideia de que até o firmamento, ou seja: o que vem de cima e provém dos outros, não diz nada de verdadeiro para seu destino, além de manter você como dependente dele, você entenderia que o homem é um ser do espelho, e que ele não se espelha naquilo que é o espelho físico,pois esse não vale nada; ele se espelha é no outro, é o outro que vale, o olhar do outro é que vale; aliás, é assim que nós percebemos a função do espelho. O espelho moderno. Você tem que olhar no olho do outro, porque lá dentro, no olho do outro, está refletida a sua imagem, Na chamada menina ou boneca dos olhos, onde você, lá, não é o mero reflexo no Lago. É no olho do outro, como dizia Platão.
Quando você olha para o olhar do outro, tentando encontrar algo para você mesmo, você estará, na verdade, procurando você mesmo, mas o que você recebe já é a imagem do outro trabalhada pelo outro.
E esse é o espelho que nós temos. O olhar alheio. Isso é pouco, porque a nossa chance de nós percebemos que o nosso firmamento, o nosso poder, aquilo que nos parece sempre tem que dizer a verdade, está mentindo todos os dias.
E assim você vive. Sempre debaixo do firmamento alheio, na expectativa de ser igual a ele, mas sem lembrar que, como nos hemisférios, cada céu será diferente do seu próprio céu. ]
Até quando viverá assim?
Começa já, agora, hoje ainda. Seja sempre você. Seja seu próprio arquétipo, sem se importar se outros vão fazer com você, como você faz com os arquétipos alheios. Faça isso hoje. Vá, faça.
Crie o firmamento onde você é quem vai brilhar.
J. Marins é escritor, professor, jornalista, sociólogo e juiz federal do trabalho, além de confundador do Movimento Libertologia, onde, junto com outras pessoas de igual pensamento, preconiza a divulgação do conhecimento como instrumento para que todos tenham o direito de ser Livres, Felizes e Prósperos.