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COMO REAGIR A SUA DESUMANIZAÇÃO?


Por J.Marins


Todo ser humano nasce livre, tendo direito a educação, à saúde, ao emprego, ao lazer, à dignidade. Essas palavras contém, resumidamente, o ideário básico exposto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que está emoldurada no salão principal do Hall de acesso ao Plenário da sede da ONU, em Nova Iorque.


A grande placa com a famosa declaração, fica todo o tempo iluminada, em local de destaque e realce, à vista de todos os que por ali transitam, como um marco da civilização, feito um estipêndio, um tributo à urbanidade entre os povos, um panteão à pessoa, um simulacro civilizatório, permanecendo num ambiente socialmente colorido, cercado de plantas e flores naturais, como se fosse sinônimo de cada um daqueles vegetais, dando a ideia de que, o fator que a gerou – o respeito ao ser humano, provém da própria natureza, que, de certa forma, se traduz no impositivo direito natural que alimenta a existência de cada vivente.


A mente capaz é o GPS do seu próximo nível. Entretanto, esse GPS só é ativado quando a gente se conecta com a gente mesmo. Abrace o silêncio de ser você mesmo(a) pelo menos algumas vezes ao longo do seu dia, da sua semana. do seu ano. Caminhe um pouco sozinho. Esqueça o celular. Escute sua alma. De nada adianta a produtividade quando você está buscando um sucesso que não é o seu ou um projeto de vida que lá dentro não diz nada para você, e que talvez tenha sido implantado em você sem você ter consciência, pois feito de modo subreptício. Acredite, é possível criar a vida dos seus sonhos independentemente do seu passado e até do seu presente. É fundamental que você desenhe a sua vida com base ma sua alma, nos seus talentos, e, principalmente no impacto que você quer causar no mundo.


Acontece, entretanto, que, sem perceber, cada pessoa, todo o tempo, é atingida por um processo de desumanização, o que, paulatinamente, a tornará infeliz, depressiva, ansiosa, absorta, dependente. Pouco se fala a respeito. Muito se diz e explica acerca dos efeitos, mas não das causas, das raízes desse malfadado ritual que dia e noite bombardeia cada um de nós com gigantesca carga de coisificação, retirando esperanças, eliminando sonhos, impondo condições, fazendo cada um crer que não tem os meios para ser livre e para ser próspero, enfim, para ser humano.


A desumanização acontece a toda hora, em qualquer lugar. Ocorre na sua família, entre você e seus pais, irmãos e primos. Tem lugar no seu ambiente de trabalho e na sua profissão. Aparece na sua vida financeira, na sua saúde, nas suas relações pessoais, amorosas, intelectuais, profissionais. O objetivo da desumanização é fazer você acreditar que você não é capaz, que você pertence a alguma subespécie humana, que você está destinado ao insucesso, que o seu desiderato é o menor e menos esperançoso, que, você, finalmente, não nasceu para ser feliz, pois você não é humano, e somente os humanos podem experimentar a felicidade.




As armas e artimanhas da desumanização, faz tempo, deixaram de ser violentas, como faziam os nazistas proibindo os judeus de casarem com alemãs, de terem empregos em empresas alemãs, de terem propriedades, terras, bens, riquezas na Alemanha. Embora aqui e ali ainda existam focos de desumanização explícita, às escancaras, sem pudor, como quando alguém humilha seu semelhante pela cor, opinião política, credo ou sexo, hoje a desumanização se desenvolve sutilmente e busca atingir esta ou aquela pessoa, em vez de afrontar nichos, embora essa forma ainda permaneça.


Afinal, qual seria o conceito de desumanização e como identificá-la?


Quer saber a resposta? Deixe-lhe contar como faço.


Acordo sempre bem cedo e, por força da necessidade de me ver integrado ao mundo em que vivo, ligo a televisão ou abro o notebook, enquanto a água ferve para o café da manhã.


Na tela, eu vejo as imagens e escuto as mensagens:


“Milhares de crianças na Nigéria foram mortas, raptadas ou expostas a violência inimaginável”


Troco o canal ou mudo de site. Agora vejo e ouço:


“Mulher tem os olhos perfurados pelo marido durante discussão do casal”.


Mais outro site com a seguinte notícia:


“Milhares de pessoas em fila por 120 vagas de trabalho em São Paulo”


Antes do café ser todo coado, percorro o feed de notícias, e lá está a desumanização, com todo terrível esplendor, mostrando que você nada mais é do que um mero participante, nunca o protagonista, e que seu propósito de vida é obedecer, ser desumanizado, como se não fosse do clube. Na tela, as manchetes impõem os comandos. Esteja ou não empregado ou com dinheiro, você será conduzido ao consumo.


Se não tiver como consumir, logo será treinado para tanto. Se não assimilar os treinamentos, será conduzido como se fosse boi. E, se mesmo assim, você ainda achar que é humano, lhes serão dadas as ordens derradeiras para que compreenda de uma vez por todas que você não é humano:


“Compre”

“Adquira”


Voltemos ao exemplo, mas agora você está em meu lugar. Tomou seu café, mas, ainda sem conseguir mensurar a quantidade das mensagens e a dor a que foi exposta, você, certamente com olhos embaçados, vai à rua para comprar o pão. A caminho da padaria, depara-se com uma senhora que dorme na calçada abraçada a uma criança, ambas cobertas por um imundo cobertor. Como se não bastasse a cena em si, um homem, bem vestido e seguramente muito apressado, quase nelas tropeça, e reverbera:


“Imunda! Trabalhar não quer, não… Fica aí entulhando a rua”.


Você perde o chão e fica petrificado(a) ao observar, na gravidade de tudo o que viu nos noticiários, e agora bem diante de si, naquela cena de rua, o paradoxo de viver, na era áurea dos direitos, a flagrante desumanização do humano.


Então, você se dá conta de que tudo foi transformado em comum, que pessoas dormindo ao relento é algo normal e afeito exclusivamente a quem não quer trabalhar.


A sociedade, que bem sabe evocar as leis quando é colocado em xeque algum de seus direitos patrimoniais, vale-se de um mecanismo muito sutil para, mentalmente, subverter os valores que ela própria instituiu. Ela hierarquiza os seres humanos valendo-se de indicadores diversos, mas preponderantemente econômicos, de modo que quanto mais alto alguém esteja na dita “pirâmide social”, mais humano ele seja e o quanto mais baixo estiver, menos humano ele é.


Ocorre, então, a desumanização do humano.


E, se não é humano, é considerado indigno de ser protegido pelos direitos inerentes à nossa espécie, momento em que tantos enxergam como legítimos atos de absoluta barbárie.


Esse método já é antigo. Europeus, em pleno “século das luzes”, equipararam indígenas americanos a animais, dizimando-os. Equipararam também a animais ou a “coisas” os africanos, escravizando-os, vendendo-os nos classificados dos jornais como objetos.


Na tentativa de legitimar toda a sorte de maus tratos à mulher, religiosos, na Idade Média, travaram severas discussões: a mulher teria ou não teria uma alma?


Para algumas religiões, aqueles que professam a sua fé são filhos, os demais, meras criaturas de Deus. Ora, se não são filhos de Deus, se não possuem filiação e proteção divinas, caso recusem a fé que tanto estimam são hostilizados e havidos como inferiores. Por vezes a inferioridade é tamanha que as suas existências ofendem os “santos corações religiosos”, que reagem com torturas e homicídios. Quem não leu sobre as cruzadas, as inquisições e tantas outras de mortes por motivação religiosa no curso da História?


É na desumanização do ser humano que se apoia e se justifica o genocídio, tanto no passado quanto nos dias de hoje. Na visão fanática que deu ao nazismo contornos similares ao fanatismo religioso, os judeus nada mais eram que porcos a serem sangrados para a higienização do planeta; e assim o fizeram com esmerado sadismo, legando à humanidade a vergonha do holocausto.


É fácil perceber as incongruências históricas no tocante ao desrespeito aos Direitos Humanos e, não raro, envergonhamo-nos de nossos antepassados. Contudo, devemos estar atentos, pois raro, sim, é a sociedade conseguir enxergar as mazelas do seu próprio tempo.


Todavia, precisamos estar atentos(as), pois raro, sim, é a sociedade conseguir enxergar as mazelas do seu próprio tempo.


Hoje, a passividade com que vemos a segregação dos negros, a discriminação dos pobres, o desprezo aos imigrantes, a demonização do infrator, a subjugação da mulher, a estigmatização de homossexuais, o desrespeito às comunidades indígenas e a perseguição de religiões e cultos diversos, assusta.


Aquele que se conforma com a injustiça é tão injusto quanto aquele que a pratica.


Somos coautores da miséria moral de um tempo onde o sangue francês vale lágrimas e comoção de todo o mundo (e vale mesmo), enquanto o sangue de centenas de africanos se derrama anônimo, embora o derramamento se dê pela mesma motivação religiosa e sob o mesmo discurso de desumanização.


Achamos lindo ver jovens bonitos(as), de rostos rosados, ensinando a você lucrar com ilusões (vide os bitcoins ou ações que geram, do dia para a noite, milhões e riqueza súbita, e que permeiam a internet), mas não estendemos as mãos para apoiar causas sociais, colaborando com instituições de caridade, que, quase sempre, atendem os negros, os pobres e os convencidos de que são inumanos.


Sim, é nessas pessoas a quem desumanizamos, que tropeça a hipocrisia de uma pseudocivilização de Direitos. É nelas que tropeça a religiosidade ociosa e o fanatismo sádico. Nelas tropeça a nossa política não inclusiva e o nosso capitalismo: sempre cego a quem não lhe mostrar os cifrões.


A propósito, como você se sente diante das incríveis possibilidades que lhe são retiradas diuturnamente? Você acha mesmo que não tem capacidade para ser feliz e próspero(a)? Você acreditou mesmo que ser pobre é ser sinônimo de incapaz? Você foi mesmo convencido(a) que sua cor ou sexo ou religião constitui impeditivo para ser aceito(a) e ser realmente feliz?


Logicamente que ser humano não é apenas ter posses, ter propriedades materiais. Ser humano é ter tudo isso, e muito mais. É dispor de cultura e poder falar dela com liberdade. É ter opinião acerca de qualquer assunto e poder discutir livremente sem temores.


Se não for assim, além de ter sido desumanizado, você foi colocado(a) dentro de uma bolha. E pior: nem desconfia.



A bolha é um mundinho em que certos indivíduos têm uma preocupação, exagerada, só com seu prazer, imagem e ganhos pessoais. É dentro dessa bolha social que alguns acreditam que são mais importantes do que outrem.


Podemos comparar a bolha como uma redoma, que é um recipiente de vidro em forma de curva para resguardar objetos delicados da poeira e ar. Por isso, que a expressão “meter-se em uma redoma” significa proteger-se excessivamente. No lado de dentro da redoma o espaço é limpo e puro, mas do lado de fora é sujo e poluído.


Os que vivem nas bolhas têm a certeza de que seu estilo de vida e círculo social é “asséptico”, onde exigem total atenção, mas desprezam o bem-estar dos outros. Eles se fecham no interior da redoma, para sentirem-se admirados pelos de fora.


Essas bolhas mostram o excessivo culto ao “eu”: meu clã, minha praia, etc. Por exemplo: moradores de um bairro de João Pessoa querem proibir pessoas com deficiências de irem à praia. Semana passada, em Jundiaí/SP, um rapaz negro foi proibido de fotografar o bosque (ele exercitava sua profissão), porque os moradores acharam que ele era ladrão, exatamente por ser negro. E uma autoridade de Porto Alegre disse que é preciso tirar os moradores de rua para as pessoas passearem com seus pets, como se morar na rua fosse um privilégio.


A criação de bolhas estimulam comportamentos egoístas. É neste contexto que se consomem cada vez mais tranquilizantes e antidepressivos, que propiciam alívio, mas contribuem para o padecimento das relações humanas.


Quem se acostuma a viver em bolhas, acredita que o outro é sempre uma ameaça, e a solidariedade parece uma espécie de armadilha traiçoeira ao ingênuo, ao incrédulo, ao tolo e ao frívolo.


No entanto, para modificar essa realidade é necessário perceber que existem outros mundos, além das bolhas. E, mais ainda, é essencial que você volte a pensar. Urgentemente.


Sim, a solução para você combater a sua própria desumanização é reativar o mais elementar condimento que tem na mente:o ato de raciocinar. Raciocinando, você compreende suas capacidades, suas competências. A solução que lhe apresento é pegar em suas mãos e lhe mostrar que é possível se desinpnotizar, fazer você acreditar em você mesmo(a), sentir que pode conseguir, fazer você crer que tudo está dentro de sua mente, inclusive a sua felicidade.


Eu, nesse exato momento, estou fazendo você, que lê esta crônica, a pensar. Refletir. Matutar. Perquirir. Meditar. Ponderar. Considerar. Imaginar. Expandir seus horizontes.


Sejamos todos seres humanos, livres, felizes e prósperos(a)!


Sou J. MARINS

Escritor de ficção e não-ficção, Palestrante, Jornalista, Professor, Sociólogo e Juiz Federal. Cofundador do Movimento Libertologia, através do qual ministro cursos e treinamentos de Oratória e Media Training

www.movliber.org


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